A Declaração Universal<br>dos Direitos Humanos

Ilda Figueiredo

No mo­mento em que se as­si­nala 67 anos da pro­cla­mação da De­cla­ração Uni­versal dos Di­reitos Hu­manos, vive-se, mesmo na Eu­ropa, a maior tra­gédia da Hu­ma­ni­dade após a Se­gunda Guerra Mun­dial, com o maior nú­mero de re­fu­gi­ados, re­sul­tado das in­ge­rên­cias, guerras, agres­sões, vi­o­lência e bar­bárie que con­ti­nuam a ser pra­ti­cadas, de­sig­na­da­mente no Médio Ori­ente e em África, pelas po­tên­cias oci­den­tais, so­bre­tudo EUA, União Eu­ro­peia, NATO e seus ali­ados.

Foi em 10 de De­zembro de 1948 que se pro­clamou a De­cla­ração Uni­versal dos Di­reitos Hu­manos, na As­sem­bleia Geral da ONU, afir­mando-se como o ideal comum a ser atin­gido por todos os povos e todas as na­ções. Es­tava-se ainda no res­caldo do final da bar­bárie da Se­gunda Guerra Mun­dial e das con­clu­sões da Con­fe­rência de Ialta, re­a­li­zada na Cri­meia, em Fe­ve­reiro de 1945, quando os res­pon­sá­veis da URSS, EUA e Reino Unido es­ta­be­le­ceram as bases para evitar novas guerras, para pro­mover ne­go­ci­a­ções sobre con­flitos in­ter­na­ci­o­nais, vi­sando a paz, a de­mo­cracia e o for­ta­le­ci­mento dos di­reitos hu­manos.

Em­bora de ca­rácter não vin­cu­la­tivo nem obri­ga­tório, nos 30 ar­tigos da De­cla­ração Uni­versal dos Di­reitos Hu­manos enu­mera-se os di­reitos e os prin­cí­pios que de­verão as­se­gurar o res­peito pela vida e pela dig­ni­dade do ser hu­mano, in­cluindo, entre ou­tros, a li­ber­dade, os di­reitos de ex­pressão, opi­nião, re­li­gião e par­ti­ci­pação na vida das co­mu­ni­dades, a igual­dade no nas­ci­mento in­de­pen­den­te­mente da classe so­cial, do local, da raça e da for­tuna, a igual­dade pe­rante a lei e a jus­tiça, o di­reito ao acesso de todos à saúde, à edu­cação, de­fen­dendo que seja gra­tuita no caso do En­sino Bá­sico, à se­gu­rança so­cial, ao tra­balho e a um sa­lário ra­zoável para ga­rantir a todas as fa­mí­lias uma vida digna, ao ves­tuário, ao alo­ja­mento con­digno e à ali­men­tação, à igual­dade de sa­lá­rios para tra­ba­lhos equi­va­lentes, in­cluído a igual­dade entre os sexos, o di­reito à pri­va­ci­dade, a ter na­ci­o­na­li­dade, de­fen­dendo a eli­mi­nação de quais­quer formas de dis­cri­mi­nação. Assim, a De­cla­ração de­ter­mina a eli­mi­nação da es­cra­va­tura ou ser­vidão, da tor­tura, de penas ou tra­ta­mentos cruéis, de­su­manos ou de­gra­dantes.

Em Por­tugal, estes di­reitos ins­critos na De­cla­ração Uni­versal dos Di­reitos Hu­manos apenas foram re­co­nhe­cidos com a re­vo­lução de Abril de 1974. O ar­tigo 16.º da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, apro­vada em 2 de Abril de 1976, re­fere ex­pres­sa­mente que «Os di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nais e le­gais re­la­tivos aos di­reitos fun­da­men­tais devem ser in­ter­pre­tados e in­te­grados de har­monia com a De­cla­ração Uni­versal dos Di­reitos do Homem».

Aten­tado à de­mo­cracia

Mas não foi só du­rante o fas­cismo que se ig­norou estes di­reitos fun­da­men­tais. A re­a­li­dade tem vindo a de­mons­trar que o em­po­bre­ci­mento da de­mo­cracia está sempre li­gado ao não cum­pri­mento de al­guns di­reitos hu­manos fun­da­men­tais e que isso afecta sempre mais as classes e ca­madas da po­pu­lação mais des­fa­vo­re­cida, tor­nando claro que mesmo os di­reitos con­quis­tados estão em causa e pre­cisam de ser de­fen­didos di­a­ri­a­mente. Desde há di­versos anos, su­ces­sivas po­lí­ticas de di­reita foram sa­cri­fi­cando di­reitos fun­da­men­tais, seja em Por­tugal, seja em ou­tros países, de­sig­na­da­mente da União Eu­ro­peia que se afir­mava campeã dos di­reitos hu­manos. Com os pre­textos mais va­ri­ados, desde a crise à ameaça de ter­ro­rismo, tudo serve para pôr em causa di­reitos fun­da­men­tais, in­clu­si­va­mente para jus­ti­ficar in­ge­rên­cias ex­ternas e guerras, numa clara hi­po­crisia.

Com a mesma cum­pli­ci­dade com que go­vernos de países da União Eu­ro­peia apoi­aram os EUA para, por exemplo, em nome da de­fesa dos di­reitos dos povos do Iraque, da Líbia ou da Síria, bom­bar­dear e des­truir estes países, de­cidem agora re­co­nhecer à Tur­quia con­di­ções para in­gressar na União Eu­ro­peia desde que trave a pas­sagem de mais re­fu­gi­ados das guerras que as po­tên­cias eu­ro­peias aju­daram a fazer no Médio Ori­ente, mesmo que o go­verno turco con­tinue a agredir e a ig­norar di­reitos hu­manos fun­da­men­tais, de­sig­na­da­mente dos turcos e dos curdos.

O que não é assim tanto de es­tra­nhar se nos lem­brarmos do que o di­rec­tório das grandes po­tên­cias da União Eu­ro­peia foram fa­zendo com os povos de vá­rios países mem­bros, como bem co­nhe­cemos em Por­tugal e na Grécia, con­si­de­rando mais im­por­tante a de­fesa do sector fi­nan­ceiro do que os di­reitos hu­manos fun­da­men­tais e a de­mo­cracia, pondo em causa o di­reito ao tra­balho com di­reitos e re­formas dignas, di­fi­cul­tando o acesso às fun­ções so­ciais do Es­tado, au­men­tando, em Por­tugal, para cerca de três mil mi­lhões as pes­soas a vi­verem abaixo do li­miar de po­breza.

Aliás, di­versos ins­tru­mentos le­gis­la­tivos da União Eu­ro­peia e em es­pe­cial o Tra­tado Or­ça­mental são um ver­da­deiro aten­tado à de­mo­cracia e aos di­reitos hu­manos fun­da­men­tais ao sa­cri­fi­carem tudo ao cum­pri­mento de um valor ar­bi­trário de dé­fice, uti­li­zando esse pre­texto para impor po­lí­ticas anti-so­ciais que põem em causa os di­reitos à edu­cação, à saúde, à se­gu­rança so­cial, a sa­lá­rios dignos, a ha­bi­tação con­digna, agra­vando de­si­gual­dades, pro­mo­vendo a po­breza, o de­sem­prego e ve­lhas formas de ex­plo­ração hu­mana e au­tên­tica es­cra­va­tura.

Di­vulgar a De­cla­ração Uni­versal dos Di­reitos Hu­manos e exigir o seu cum­pri­mento tal como se en­contra con­sa­grado na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa con­tinua a ser da maior im­por­tância.

 



Mais artigos de: Argumentos

A mobilização geral

As vozes da indignação soaram por todo o País, os votos da rejeição foram maioria, e na Assembleia da República a gente do PSD e do CDS-PP teve de abandonar as poltronas do governo. Não gostou, como bem se compreende, e não foi capaz de digerir esse seu desagrado...

A <i>Arte Chocalheira</i><br> uma salvaguarda urgente

A arte chocalheira de Alcáçovas já é Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente, título atribuído pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. A...